ELES TÊM O REI NA BARRIGA

O presidente do Tribunal Supremo do MPLA, Joel Leonardo, ordenou o desbloqueio das contas do general Higino Carneiro (do MPLA), quando este estava a ser investigado por peculato e branqueamento de capitais. Há 47 anos que no reino do MPLA (a que alguns chamam Angola) vale tudo.

Este é um dos factos apresentados pelo activista e jornalista angolano Rafael Marques de Morais, numa denúncia criminal contra Joel Leonardo, hoje entregue na Procuradoria-Geral da República de Angola.

O jornalista e director do site Maka Angola referiu, na sua denúncia, que o processo contra o (entre outros cargos de elevado relevo na ditadura do MPLA) ex-governador provincial de Luanda por alegada prática de crimes de peculato, nepotismo, tráfico de influências, associação criminosa e branqueamento de capitais, foi arquivado “de forma até hoje não esclarecida publicamente” por aparente ordem expressa de Joel Leonardo.

Segundo a queixa apresentada à PGR (outro órgão do MPLA), o presidente conselheiro do Tribunal Supremo (TS) terá orientado e pedido sigilo ao juiz presidente da câmara criminal daquela instância judicial, Daniel Modesto Geraldes, para que pusesse fim ao caso.

O juiz Daniel Geraldes teria encontrado nos factos constantes do processo indícios da prática de ilícitos criminais à data em que Higino Carneiro, ex-deputado e dirigente do MPLA (seita que está no Poder em Angola desde a independência em 1975) foi governador de Luanda, entre 2016 e 2017.

Em 19 de Agosto de 2021, numa altura em que estaria já definido o “trio de juízes” que iria presidir ao julgamento, Joel Leonardo terá decidido sobre um requerimento apresentado pela defesa de Higino Carneiro, mandando desbloquear uma conta do arguido.

“Não se entende a que propósito surge um despacho deste teor (“descongelamento” das contas de Higino Carneiro) por alguém que não é o juiz natural do processo e não tem intervenção no mesmo, aparentando ser uma intervenção de favor”, escreveu Rafael Marques na denúncia, questionando a intervenção fora do âmbito dos poderes jurisdicionais “sem qualquer fundamento legal”.

O activista mencionou também na queixa o que diz ser uma “perseguição ao conselheiro Agostinho Santos” pelo facto de “este magistrado exigir transparência” no que toca à designação do novo presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

Rafael Marques recordou a decisão disciplinar que culminou na demissão deste juiz conselheiro que, no entanto, ficou suspensa quando, em 27 de Março de 2023, a Câmara do Cível, Administrativa, Fiscal e Aduaneiro do TS aceitou uma acção de impugnação interposta por Agostinho Santos.

Uma decisão à qual Joel Leonardo desobedeceu através de um despacho datado de 6 de Abril de 2023, “impedindo Agostinhos Santos de exercer as suas funções, mantendo-o na qualidade de demitido”.

Rafael Marques apontou ainda várias denúncias públicas que dão conta de um alegado esquema de distribuição e venda de imóveis confiscados pela justiça angolana no âmbito do combate à corrupção, o qual será alegadamente liderado por Joel Leonardo.

Um conjunto de factos que, sublinhou, corresponde à prática de crimes por magistrado no exercício de funções, “o que resulta em gravidade acrescida”, estando em causa os crimes de denegação de justiça, prevaricação, corrupção massiva de magistrado e abuso de poder, acrescentou.

JOEL LEONARDO É (IN)TOCÁVEL?

Sobre tudo isto, o Presidente da República, igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, general João Lourenço, continua a olhar para o lado e assobiar.
Em qualquer reino minimamente democrático e que aspire a ser um Estado de Direito, o rei da “coisa” estaria preocupado com as inúmeras e constantes denúncias de vários estratos da sociedade angolana, relacionadas com Joel Leonardo. Em Angola não vislumbre de qualquer preocupação.

Nas vestes de venerando juiz conselheiro presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, deveria ter a ingente responsabilidade de pautar a sua conduta com base em elevadíssimos princípios éticos, deontológicos e estatutários, que advém da função de juiz (moralidade pública, irrepreensibilidade, ética, probidade, dever de reserva) e que, por sua vez têm raízes constitucionais. Mas não tem. Nem ele nem o Presidente da Repúlica.

A sociedade angolana está profundamente preocupada com o estado moribundo da judicatura em Angola, pois, entende que, sem um poder judicial imaculado, forte, verdadeiramente actuante e comprometido com os valores de um Estado de Direito, todo o suposto esforço de moralização pública e combate à corrupção será igual a zero.

No entanto, já não vale a pena apelar ao Presidente que preste atenção às denúncias, às provas, aos factos e mande investigar e tome as medidas que se justifiquem, visando pôr cobro aos males que enfermam a judicatura.

Recorde-se que o grupo parlamentar da UNITA, principal partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, exigiu no dia 7 de Fevereiro a demissão do presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo.

A posição foi expressa pelo líder do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiaka, numa conferência de imprensa em que abordou a crise de confiança social nas instituições da justiça, órgãos de segurança e alguns departamentos ministeriais.

“Não se pode compreender, aceitar, que todos os meses saiam notícias envolvendo o presidente do Tribunal Supremo”, disse o líder parlamentar.

Segundo o deputado, compete à Procuradoria-Geral da República (sucursal, tal como o Tribunal Supremo, do MPLA) apurar as denúncias tornadas públicas.

“É o que estamos a exigir. Infelizmente, há provas que são públicas de alegado favorecimento de familiares directos do senhor presidente do Tribunal Supremo”, disse Liberty Chiaka, frisando que não se pode “colocar o nome de pessoas acima dos interesses nacionais”.

O responsável disse ainda que “não faz bem à República de Angola, não faz bem ao poder judicial, que o presidente do Tribunal Supremo, que também é o presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) ter o seu nome permanentemente ligado a escândalos de corrupção”.

“Afasta investimentos, coloca em causa a credibilidade, ela por si só já maculada, não faz bem a nós. Em defesa do bom nome do próprio presidente do Tribunal Supremo colocava o lugar à disposição”, salientou.

De acordo com o líder do grupo parlamentar da UNITA, “esses casos não são de hoje nem de ontem”, lembrando que há um discurso público e oficial de combate à corrupção.

“E não se pode fazer combate à corrupção sem um poder judicial independente, sem que os seus agentes tenham autoridade moral, não se pode fazer. Quando a autoridade moral, ética, dos agentes públicos, particularmente dos operadores de justiça fica em causa, todo o sistema de justiça fica em causa, e todo o discurso público, oficial, a propaganda, ficam em causa”, observou.

“Estamos aqui para reafirmar a nossa posição: exigir demissão do senhor presidente do Tribunal Supremo. Angola não pode mais continuar nessa condição. O que se espera dos operadores de justiça é concentração, administrar a justiça, gerir os conflitos, não é gerir a imagem, apagar fogo, que envolve os próprios operadores de justiça, assim não há combate à corrupção e não se pode fazer justiça”, defendeu.

O então governador da Província de Luanda, general Higino Carneiro, garantia que os munícipes da capital angolana iam beneficiar de novas infra-estruturas públicas para melhorar a circulação de pessoas e bens.

Quando pediram explicações ao então ministro, general Higino Carneiro, sobre o facto de, em 2007, o seu ministério das Obras Públicas não ter justificado despesas de cerca de 30 mil milhões de Kwanzas, equivalentes a mais de 115 milhões de dólares, ele disse “que não tinha tempo para dar justificações”.

Se João Lourenço não fosse só forte com os fracos, Higino Carneiro estaria preso e teria sido despromovido. Mas não está nem estará.

Novembro de 2016. O governador provincial de Luanda, general Higino Carneiro, alegou questões de segurança para proibir a realização de uma manifestação cívica contra a nomeação de Isabel dos Santos, para a direcção da petrolífera estatal Sonangol.

Higino Carneiro tratou, mais uma vez, os promotores e os demais cidadãos, como sendo de segunda categoria ou seres menores, sem nenhuns direitos, logo com o único dever de cumprir uma vontade, uma ordem inconstitucional e ilegal.

Higino Carneiro, é um dos generais mais ricos, fruto certamente do seu esforço militar, empresarial, político e contador de mentiras. Foi, com certeza, recompensado pelo esforço e dedicação à causa do regime, mesmo sabendo-se que esta causa nunca levou em consideração a tese do primeiro Presidente da República, Agostinho Neto, que dizia que o importante era resolver os problemas do povo.

Sempre foi visto como um “buldózer” que, certo das suas convicções, levava tudo à frente. Esta qualidade foi bem visível como militar, onde não olhava a meios para atingir os seus fins, mas também como ministro das Obras Públicas, governador provincial e empresário.

Em 26 de Junho de 2008, por exemplo, prometeu enquanto ministro das Obras Públicas, construir ou reconstruir cerca de mil e quinhentas (1.500 – isso mesmo) pontes de médio e grande porte, assim como reabilitar mais de 12 mil quilómetros da rede nacional de estradas até 2012.

Fazendo contas verificamos que do dia 26 de Junho de 2008 até ao dia 31 de Dezembro de 2012 vão 1.650 dias (contando feriados e fins de semana). Dividindo as 1.500 pontes que o ministro anunciou, dá uma média de 0,9 pontes por dia. Se dividirmos os tais 12.000 quilómetros de estradas pelos 1.650 dias dá uma média de 7,27 quilómetros ao dia. Portanto é simples, a cada dez dias o MPLA teria de apresentar 9 novas pontes e 72,7 quilómetros de estradas. Simples.

No mundo empresarial teve, ou tem, negócios com parceiros nacionais, portugueses, brasileiros e outros. Dos seus negócios privados fazem ou fizeram parte 12 hotéis dispersos pelo país, grandes fazendas (a Cabuta é uma delas), bancos (Keve e Sol), uma companhia de aviação dispondo de uma frota de 14 aeronaves, Air Services.

Folha 8 com Lusa

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